Encontramos três padrões diferentes no relacionamento entre empresas e cultura, e todos revelavam altos níveis de clareza, eficiência na comunicação e coerência.

Imagine-se percorrendo uma construção vazia. A disposição do local é intuitiva e cada cômodo naturalmente permite chegar a outro. Pode parecer estranho, mas você se sente seguro e até otimista. Senta-se em um banquinho que nem sequer havia notado até então, mas que parece instalado no lugar exato. E, mais uma vez, sente um impulso desconhecido, enquanto os ruídos de sua mente parecem ficar mais suaves. Essa é a sensação propiciada por um bom projeto.

Quando um modelo de serviço é concebido da forma correta, produz as mesmas sensações entre as pessoas que interagem com ele – energia, confiança, tranquilidade por se sentir respeitado como ser humano. Mas, como uma construção vazia, um modelo de serviço adequado ainda precisa do principal elemento que lhe dê vida em um nível funcional: as pessoas, ou, mais especificamente, a forma como as pessoas interagem nesse âmbito. Quando falamos de empresas, chamamos isso de cultura.

Uma prestadora de serviços de destaque precisa contar com esses dois elementos (o design dos serviços e a cultura que a rege). Ambos devem focar na mesma direção, rumo a resultados que você identificou como essenciais para o sucesso da empreitada. Vejamos de outra forma: se você trabalha em instalações maravilhosas mas seu chefe é um tirano, ou apenas indiferente às suas necessidades, o fato de o banquinho estar instalado no local perfeito nada significa. Toda aquela engenhosidade estrutural perde sentido em um ambiente no qual as diretrizes de relacionamento geram emoções opostas.

Igualdade nas alturas

Para visualizar o que estamos falando, vamos abordar a nossa companhia aérea modelo: a Southwest Airlines. O segredo para o modelo de serviço da empresa é a rotatividade de embarque mais ágil do que a concorrência, o que permite aproveitar mais racionalmente a (cara) estrutura e cobrar menos para transportar as pessoas pelos ares. Abreviar o tempo de operação exige um nível altíssimo de colaboração entre os especialistas, as camadas hierárquicas e suas atribuições. Assim, a Southwest funciona com base na cooperação livre de egos. Ninguém é melhor do que ninguém, nem está isento de fazer o que deve ser feito. Todos são iguais – um ethos(grupo de características) que se estende aos passageiros, que até há pouco tempo não podiam trocar suas passagens por um lugar na classe executiva, se quisessem.

Entre as expressões mais visíveis dessa cultura igualitária está um fenômeno chamado “mobilização de atraso”. Se um voo dura além do horário previsto, todos sofrem as conse-
quências e, portanto, todos os funcionários se mobilizam para fazer o que precisa ser feito, sem precisar receber ordens.1É claro que essa medida faz sentido dentro do contexto das necessidades da companhia aérea, mas é em decisões menos transparentes que a consistência cultural da Southwest se destaca. A Southwest conta com mais funcionários sindicalizados do que as demais empresas, e, ainda assim, desfruta das melhores relações com os colaboradores. Por que isso não é contraditório? Porque os sindicatos adoram a empresa, que, ao contrário da concorrência, nunca promoveu uma demissão em massa. A Southwest não incha o quadro de funcionários nos tempos de bonança, prática comum no setor, e por isso não precisa fazer cortes drásticos quando as condições se complicam. Essa política foi criada para manter o bom relacionamento com os colaboradores, e é essa relação que permite à empresa incluir o compromisso com a mobilização de atraso no contrato de trabalho, além da frase “e tudo mais” em todas as descrições de tarefas. O funcionário se compromete a fazer o que for necessário, sem precisar alocar, por exemplo, um eletricista para trocar uma lâmpada queimada. Essa cadeia de trade-offsinterligados (limite nas contratações para preservar a estabilidade no emprego em troca da flexibilidade nas atribuições dos funcionários) sustenta a rapidez de rotatividade, um dos segredos do sucesso da Southwest.

A lógica maluca da IDEO

A cultura talvez seja a mais importante parte invisível de uma organização. Assim como os fundamentos “subterrâneos” que sustentam uma empresa, é difícil avaliar o aspecto cultural. Mas uma forma de começar a fazer isso é observar a forma como ela se manifesta nos comportamentos e escolhas, subprodutos tangíveis da cultura. Em nenhum lugar essa observação é mais simples do que na IDEO, companhia dedicada ao design e à inovação.

A IDEO desenvolveu grandes ideias: do primeiro mouse da Apple até a imensa baleia eletrônica que protagonizou o filme Free Willy. A empresa ganhou ainda mais notoriedade quando o noticiário Nightline,da rede norte-americana ABC, encomendou um projeto inovador de um carrinho de mercado, a ser desenvolvido em apenas quatro dias. O resultado final incluía um leitor de código de barras, ganchos para pendurar sacolas e rodas mais adaptadas para circular em corredores estreitos, sem contar com o tradicional “cesto” central.

Sob o ponto de vista pedagógico, gostamos do exemplo da IDEO porque permite perceber e identificar o que a cultura da empresa tem de peculiar – e constatar porque ela exerce tanta importância.2A criatividade está no sangue da IDEO, e não há nada mais importante em seu modelo de negócios. Mas como a empresa cria um ambiente no qual a excelência criativa é um resultado sempre consistente? Certamente, a IDEO se baseia em um bom design de modelo de serviço – em específico, o sistema de gestão de funcionários. A empresa procura atributos bem claros na hora de recrutar e selecionar colaboradores: características que indicam a capacidade tanto de inovar como de inspirar a inovação nas demais pessoas. Mas o que permite que essa equipe apresente bons resultados dia após dia, ano após ano, é a cultura que a envolve. Ou seja, o design de serviço combinado com a cultura.

Os sinais dessa cultura podem parecer irritantes para a visão corporativa convencional. Na IDEO, não existem regras sobre como se vestir. Os funcionários montam suas estações de trabalho usando cubos plásticos. No meio das instalações situa-se uma instituição de respeito chamada “Tech Box”, espécie de “biblioteca de objetos” (pedaços de fibras de polímeros, dobradiças curiosas, interruptores, um arco e flecha com roldanas…) que os colaboradores vasculham em busca de inspiração.

Mas o que existe de tão diferente no cotidiano da IDEO? As discussões para chegar a novas propostas formam parte essencial do processo da empresa e ocupam boa parte do dia. O processo é criado para estimular o surgimento de ideias incomuns e suspender os julgamentos até a etapa final. Outro objetivo é o de permitir às pessoas aproveitar as sugestões dadas pelos colegas sem se preocupar com quem é o dono da ideia. Promove-se apenas uma discussão de cada vez, garante-se que os mais tímidos também participem e maximiza-se a quantidade de ideias (que podem chegar a 150 propostas em menos de uma hora), em vez de se ater demais à qualidade já no começo do processo. No final da discussão, as propostas recusadas são arquivadas – só para garantir.

O lema da empresa é “objetiva, rápida e certa” – mas “certa”, aqui, significa “adequada”. Não existe pressão para que as pessoas “estejam certas” ou encontrem soluções rápidas, pois isso acabaria inibindo a livre expressão das ideias. “Errar faz parte da cultura”, afirmou o fundador e presidente da empresa, David Kelley, à ResearchTechnology Management. “Chamamos isso de tentativa e erro ‘esclarecidos’”.3Existem muitas falhas, mesmo em processos avançados, mas Kelley insiste nesse princípio, tanto em projetos equivocados de origem quanto naqueles que se encaixam no rumo certo desde o início.

A experiência da criatividade coletiva ganha mais intensidade durante o chamado “Deep Dive”, quando a equipe passa um dia inteiro concentrada na geração de um grande número de conceitos criativos, eliminando as ideias fracas e elegendo as melhores propostas para a condição de protótipo. “Erre bastante para começar a acertar mais cedo” – tal filosofia, que pode parecer mera perda de tempo para quem está fora da empresa, constitui uma convicção da IDEO, assim como o trabalho duro. A motivação para dar conta de uma jornada de 60 horas semanais vem do entusiasmo (ou, se preferir, da pressão) dos colegas. Não há lugar para gente desmotivada se esconder nas pequenas instalações da empresa, desprovidas de divisórias.

Tudo acontece dentro de equipes e hierarquia temporárias, uma vez que os times são formados para dar andamento a projetos específicos. Existem poucos (se é que existe algum) cargos ou funções permanentes. Os profissionais acomodam seus pertences em estantes portáteis, para facilitar o deslocamento entre um núcleo de projeto e outro. A liderança muitas vezes se baseia no envolvimento pessoal ou nas habilidades específicas, e não na posição hierárquica. A avaliação dos funcionários é feita por colegas (o avaliado escolhe seus avaliadores), e contribuições muito significativas são recompensadas com oportunidades de trabalhar em projetos mais importantes.

Mais uma vez, apontamos esses fatores porque eles são os componentes visíveis da cultura da IDEO. Constituem as expressões externas das normas e valores que regem a empresa – correr riscos, mover-se depressa, dar importância ao aspecto lúdico –, um fenômeno que Edgar Schein, estudioso do MIT, descreve como os “artefatos” e “valores conjugados” de uma empresa (nós chamamos de “comportamentos”).4São todas as coisas que um observador externo pode considerar “diferentes” daquilo que vê fora da IDEO. Nada impede que outras empresas também possam abolir o uso de gravatas, empilhar um monte de peças soltas no meio da sala e afirmar que todas as ideias, inclusive as ruins, podem ser aproveitadas. Mas é claro que isso não serviria para muita coisa, a não ser, talvez, intrigar o visitantes.

O que faz com que isso funcione na IDEO (e também permite que a empresa tenha excelência em tudo o que cria), segundo Schein, são os chamados “pressupostos básicos comuns”, que conjugam essas escolhas aparentemente estranhas. Se você quer mudar a cultura precisa por começar aqui, influenciando os padrões de pensamento que regem as atitudes de seus colaboradores.

Construção de blocos culturais

Há ótimos pesquisadores do comportamento corporativo à frente dos estudos mais recentes sobre cultura e psicologia humana. Não é o nosso caso. Recomendamos a leitura do livro Hidden value: getting extraordinary results with ordinary people, de Charles O’Reilly e Jeff Pfeffer,5além da pesquisa de Amy Edmondson sobre as empresas que criam segurança psicológica para os funcionários,6um dos estudos mais interessantes que já vimos nessa área, sem falar em uma série de outros que mereceriam entrar nessa lista.

Nosso ponto de partida é o aspecto operacional, e por isso adotamos uma abordagem bastante prática sobre tais temas. Queremos saber comouma cultura de excelência nos serviços pode ser construída e o que acontece de especial dentro das empresas que conseguem realizar esse valorizado objetivo. Um de nossos exemplos está na Ochsner Health System, de Baton Rouge. Quando perguntamos a Mitch Wasden, presidente da unidade, qual ele considerava o fator mais importante para as mudanças culturais ali ocorridas, ele falou da regra “5 por 10”. Todos os funcionários são estimulados a fazer saudações visuais a qualquer pessoa situada a menos de 3 metros (10 pés) e a cumprimentar verbalmente quem estiver a menos de 1,5 metros (5 pés). Essa mudança aparentemente pequena exerceu uma diferença incrível no ambiente apressado da clínica, onde todos os profissionais têm tarefas importantes a cumprir rapidamente. Hoje, faz parte da rotina parar e identificar os aspectos humanos das pessoas ao redor (pacientes, colegas, o entregador de encomendas da UPS) seguindo uma regra simples porém poderosa: cumprimentar as pessoas.

Esse tipo de ferramenta prática voltada para a comunicação e o reforço da cultura aparece em todas as empresas que apresentam valor excepcional aos clientes. Em termos mais específicos, encontramos três padrões diferentes nesse relacionamento entre empresas e cultura, e todos revelavam altos níveis dos seguintes elementos:

  • Clareza: tal tipo de empresa sabe exatamente qual cultura deseja construir, e como ela é essencial para chegar aos objetivos mais importantes
  • Eficiência na comunicação: reafirmação constante dos valores essenciais da empresa, sobretudo em momentos nos quais as pessoas estão mais receptivas a essas mensagens, como no período de recrutamento e de treinamento
  • Coerência: fortalecimento da cultura em cada etapa, com o pronto desencorajamento e eliminação das posturas contrárias, ou seja, dos desequilíbros entre a cultura desejada e a estratégia organizacional, a estrutura e as operações.

Fonte: Revista HSM Publishing