Foto: A Força do leão: um dos principais ativos da Somos Educação, o colégio, curso pré-vestibular e sistema de ensino Anglo tem mais de 300 mil alunos. A instituição foi fundada há mais de cinquenta anos (Crédito:Divulgação)

Duas semanas depois de anunciar a criação da holding Saber, focada no ensino básico, a Kroton surpreendeu o mercado ao pagar R$ 6,2 bilhões pela Somos Educação. Entenda os reflexos desse negócio no setor

Crédito: João Castellano/Ag. Istoé
Foto: Aula de gestão: Rodrigo Galindo, CEO da Kroton Educacional, construiu um império da educação superior. Agora, o executivo quer repetir a fórmula no ensino básico (Crédito: João Castellano/Ag. Istoé)

No segundo semestre do ano passado, Rodrigo Galindo, CEO da Kroton Educacional, e José Carlos Reis de Magalhães, o Zeca Magalhães, presidente da Tarpon Investimentos, tiveram alguns encontros para discutir a venda da Somos Educação, grupo de ensino básico controlado pela gestora de private equity e dono de escolas como Anglo, Sigma e Ser. Depois de algumas reuniões, a expectativa era que a transação fosse concluída sem grandes dificuldades. Porém, o desfecho não saiu como esperado e as partes não chegaram a um acordo financeiro.

“Tinha um espaço bem grande entre a proposta que fizemos e o valor que a Tarpon pedia”, diz Galindo. Na época, especulava-se que a diferença era de, aproximadamente, R$ 2 bilhões entre o que a Kroton queria pagar e o que a Tarpon desejava receber, como publicado na coluna MOEDA FORTE, em outubro de 2017. Quatro meses depois de encerradas as negociações, na quinta-feira 19 de abril, Galindo ligou para Zeca propondo uma reunião no dia seguinte. “Voltamos com uma oferta melhor, eles também cederam um pouco e conseguimos chegar a um acordo”, afirma o CEO da Kroton.

Durante o fim de semana, os executivos se debruçaram sobre o contrato e, em 48 horas, deixaram tudo pronto para anunciar a transação na manhã de segunda-feira 23. Por R$ 6,2 bilhões, a maior empresa de educação superior do Brasil passou a ser, também, a líder no ensino fundamental e básico. “Para a Kroton não interessava entrar no mercado sem ser a primeira. Se ela fosse comprar uma unidade em cada capital do Brasil e fazer a expansão o processo seria muito lento”, afirma Carlos Antonio Monteiro, presidente da CM Consultoria, especializada em educação.

A Tarpon ficará com R$ 4,5 bilhões, referente a participação de 73% no negócio. O restante será oferecido aos demais acionistas, por meio de uma Oferta Pública de Aquisição (OPA). O negócio será fechado por meio da Saber, subsidiária da Kroton criada no início de abril para administrar suas operações de educação básica. “A entrada da Kroton deve ajudar no desenvolvimento das estratégias que a Somos já vinha implementando”, afirma Fernando Chayer, CEO da Somos Educação. “Enxergo a aquisição de uma forma muito positiva para a empresa.”

A combinação das duas operações resultará em uma receita líquida de cerca de R$ 7,4 bilhões, sendo R$ 5,5 bilhões da Kroton e R$ 1,9 bilhão da Somos. A geração de caixa (Ebitda) será de mais de R$ 3 bilhões. Segundo os cálculos da Kroton, os ganhos com sinergias serão de R$ 300 milhões ao longo dos próximos quatro anos, e virão de um melhor aproveitamento da malha logística, com o ganho de escala, e de melhorias de eficiência implementadas na operação da Somos. Mas, antes de realizar a OPA, a Kroton precisa receber a aprovação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). No ano passado, um negócio envolvendo a empresa foi barrado pelo órgão de defesa da concorrência.

 

 


Foto: Chaim Zaher: “A educação básica é um segmento que exige muita presença no dia a dia”, diz o presidente do Grupo SEB (Crédito:Amanda Perobelli/Estadao)

A fusão com a Estácio, que criaria uma gigante no ensino superior, foi rejeitada em razão da alta concentração nesse segmento, de mais de 30%. Com a reprovação da operação, as opções de crescimento da Kroton no ensino superior, via aquisições, se tornaram escassas. Os investidores temeram pelo futuro da companhia e o valor de mercado, que chegou a ser de R$ 34,7 bilhões, em outubro de 2017, caiu para R$ 21 bilhões em abril deste ano. “A compra da Somos se encaixou como uma luva. Foi uma excelente resposta a esses questionamentos”, diz William Klein, CEO da consultoria Hoper Educação. No entanto, o valor pago pelo negócio foi considerada elevado. O valor da Somos era de
R$ 3,7 bilhões, na sexta-feira 20. “Eles pagaram muito caro, não faz muito sentido”, afirma um executivo do mercado.

A aposta pode dar certo. A estratégia da Kroton para avançar nesse segmento começou a ser desenhada quase dois anos atrás. Em 2016, a empresa passou a realizar estudos específicos sobre esse mercado e contratou Mário Ghio, executivo com vasta experiência no ensino básico e que ocupou o cargo de CEO da Somos. Ghio está à frente da Saber e passa a ter 44 escolas próprias, três cursinhos pré-vestibular, 120 escolas de idioma, além de atender mais de 3,4 mil instituições por meio de seus sistemas de ensino (confira quadro abaixo). Ao todo, são 34,2 milhões de alunos atendidos pelos sistemas de ensino e livros didáticos. O segmento passará a representar quase um terço do faturamento da Kroton. Atualmente, a participação da vertente na receita líquida da companhia é de apenas 3%. A fatia inclui os negócios da rede Pitágoras e do Centro Educacional Leonardo da Vinci, de Vitória (ES), adquirido no início deste mês.

A operação abre as portas, de forma muito rápida, para um mercado extremamente pulverizado e que possui ainda poucas empresas relevantes operando. Segundo dados do Ministério da Educação (MEC), existem no Brasil 30,6 mil escolas particulares, enquanto no ensino superior são 2,4 mil faculdades. Além disso, o mercado de ensino básico movimenta, anualmente, R$ 101 bilhões, quase o dobro do superior. “O segmento de ensino básico oferece vantagens significativas em relação ao de educação superior. É duas vezes maior, com ciclos mais longos (de 10 a 12 anos), menor nível de competição e valuations mais atrativos para aquisições”, afirma Maria Tereza Azevedo, analista do Banco UBS, em relatório. A empresa de Galindo terá que correr contra a expansão dos concorrentes, que tem se movimentado para abocanhar a maior fatia possível desse mercado.


Foto: Visão otimista: Fernando Shayer, CEO da Somos Educação, assumiu o grupo há pouco mais de seis meses. Para ele, a venda para a Kroton será muito positiva e vai permitir acelerar o desenvolvimento da estratégia da empresa (Crédito:Nilani Goettems / Valor / Agência O Globo)

O Grupo SEB, por exemplo, fez duas aquisições neste ano: do colégio A e Z, do Rio de Janeiro, e Visão, de Goiânia, na esteira de uma série de outras compras já realizadas em 2017. O SEB deve anunciar uma nova aquisição no início de maio. “É um segmento que exige muita presença no dia a dia, contato intenso com os pais e que tem muitos alunos, e cada um com um perfil distinto”, afirma Chaim Zaher, presidente do Grupo SEB, dono de escolas como Pueri Domus e Concept. Recentemente, outros grupos também mostraram interesse pelo ensino básico: a holding Bahema, que comprou no ano passado 80% da Escola da Vila e 5% da Escola Parque, e o Grupo Eleva, que conta com Jorge Paulo Lemann como investidor e que também fez uma série de aquisições no ano passado.

A ideia da Kroton é aproveitar a pulverização do segmento para realizar novas aquisições de colégios e crescer também com aberturas, consolidando o mercado. “Nenhum grupo de educação tem hoje mais do que 1% de participação no mercado de escolas privadas. Existe um espaço imenso para crescer”, diz Galindo. Ainda neste ano, mais duas compras serão anunciadas. A primeira já está com o contrato assinado, e deve ser divulgada em junho, e a segunda está em vias de ser concluída. A Kroton está também em negociação avançada com mais duas instituições, mas os fechamentos desses contratos devem ficar para 2019. A empreitada da empresa para crescer no ensino básico, no entanto, não será fácil. Há um questionamento se a companhia, habituada ao ensino superior, conseguirá se adaptar as especificidades da educação básica.

Fonte: ISTOÉ Dinheiro