Cofundador da Constellation Asset Management, que administra mais de dois bilhões de reais, Florian Bartunek fala sobre o presente e o futuro dos investimentos no país
Talvez você tenha lido o nome de Florian Bartunek na capa de Fora da curva: os segredos dos grandes investidores do Brasil, livro que ajudou ele a organizar em 2016 e que reúne depoimentos de alguns dos melhores profissionais de investimento do país.
É gente que, em conjunto, administra R$ 80 bilhões. O próprio Bartunek, que preenche um dos capítulos, está incluso nesse grupo – ele é Chief Information Officer (CIO) da Constellation Asset Management, gestora de fundos de ações que ajudou a fundar em 2002 e que tem Jorge Paulo Lemann e Lone Pine Capital entre seus sócios.
Com quase trinta anos de carreira, Bartunek ainda é apaixonado pelo trabalho, que considera um “quebra-cabeças complexo” que envolve habilidades técnicas e subjetivas, capacidade de criar estratégias de longo prazo e compreensão holística do ambiente empresarial.
“As pessoas acham que analisar a Apple é ver se ela vai lucrar no ano que vem, mas não é só isso”, fala, usando como exemplo a empresa mais valiosa do mundo atualmente. “É entender se ela vai ter capacidade de criar produtos novos que farão a diferença ou não.”
A Constellation, que começou com cerca de R$ 40 milhões, hoje administra R$ 2,6 bilhões de reais em ativos e tem entre seus princípios corporativos a seguinte frase: “Malandragens e espertezas destroem uma empresa por dentro. A ética compensa a longo prazo”.
Empresas bem administradas, para a firma, são aquelas com donos ou executivos confiáveis. Em tempos de transparência radical e fluxo de informação incessante, esses níveis de confiança estão cada vez mais conectados também a práticas socioambientais corporativas.
A seguir, Bartunek fala sobre o cenário atual e futuro de investimentos no Brasil e a importância da ética nesse contexto.
Por que ética é um bom negócio, segundo Florian Bartunek
O que mudou no cenário de investimentos no Brasil?
O Brasil está melhorando e os bonzinhos estão se dando bem. No curto prazo eles podem até perder, mas todo mundo prefere fazer negócio com gente honesta e socialmente responsável – você não quer trabalhar com um cara que usa trabalho escravo.
E o país ficou mais estável do que era vinte anos atrás, as pessoas fazem investimentos mais bem informadas. Antes você podia conhecer bem uma empresa, mas daí vinha um plano econômico e ia tudo por água abaixo. Ainda é muito volátil, mas menos.
Há interesse por investimentos de impacto no país, em que o investimento é feito levando em conta impactos sociais e ambientais mensuráveis?
Tem, mas é muito pouco. Como é uma escolha do investidor, não dá para forçá-lo a investir só em coisas que tem impacto social.
Mas o que surge muito aqui é a questão da ética. Hoje em dia, no Brasil, o risco em ser antiético é maior. Antes tinha menos informação, não sabíamos tanto sobre o que acontecia, não era um assunto. Agora sabemos. Depois da Operação Lava Jato, vejo que as pessoas tem muita preocupação com a ética da contraparte: temos que ter certeza que nosso parceiro é 100% idôneo.
E é um ciclo virtuoso. Se eu sou ético e transparente, minha ação na bolsa de valores vale mais. Se ela vale mais, tenho uma vantagem competitiva em relação ao concorrente. Ele pensa: por que aquele cara vale mais que eu? Porque ele é ético? Então vou ser também.
Então a ética é uma preocupação que consta na hora de escolher em que investir?
A ética é o maior desafio do Brasil. O modus operandi de fazer negócio no país, no passado, muitas vezes envolvia questões que não eram éticas – essa coisa de comprar sem nota fiscal, sabe? Isso vem diminuindo. E quando você olha o desenvolvimento das empresas atualmente, há uma parte bem honesta e uma zona cinzenta com a qual temos que tomar muito cuidado.
A parte socioambiental representa um custo para a empresa, seja porque o cliente paga mais por um produto ético ou porque há um risco judicial que pode virar um problema, e isso passou a ser incorporado nos processos de investimento.
Empresas que foram autuadas por trabalho escravo, por exemplo, por terem condições de trabalho que o Ministério Público não consideravam adequadas, veem o preço de suas ações caírem 6% no dia em que sai a notícia.
Então se a empresa tem um risco, vamos negociar o preço com um desconto. E é mais difícil fazer negócio se for arriscado.
Por que vale mais a pena investir em empresas com essa preocupações?
Historicamente, um investimento em empresas com esse tipo de preocupação dão retornos melhores no longo prazo.
Os motivos para isso variam. A empresa pode ter uma relação melhor com a comunidade e gerar boa vontade com a marca ou tem pessoas genuinamente mais honestas e preocupadas com o outro, o que diminui a chance de cometerem alguma barbaridade.
No fim, tem stakeholders melhores, funcionários melhores e acionistas mais comprometidos. E quando investirmos nessas empresas, as outras olham para o lado e refletem sobre o por quê daquela empresa ter mais investidores. Como investidor, eu posso ser cínico e não acreditar em nada disso e buscar o resultado ou posso realmente acreditar no impacto e investir por esse motivo. Mesmo assim, o efeito final é positivo e esse processo vai se retroalimentando.
O que impele essa mudança na forma de ver os investimentos?
Acho que é uma mudança geracional. O ser humano sempre preferiu fazer negócio com gente legal, então ele não mudou. Mas as gerações são diferentes e, com mais informações, os efeitos se acumularam.
Do ponto de vista da empresa, ela trabalha com dois stakeholders, o funcionário e o cliente. A não ser que você precise – e tem gente que precisa –, você não quer trabalhar numa empresa socialmente irresponsável. Então para fins de atração e retenção de talentos, especialmente jovens, isso faz toda a diferença.
Com o cliente, é a mesma coisa. Quantos produtos novos não surgem que são mais caros, são orgânicos, não agridem o meio ambiente – e as pessoas estão dispostas a pagar?
A empresa pensa: ‘Se meu cliente paga mais caro pelo produto, consigo pagar mais gente boa’. Um jovem talentoso que se vê escolhendo entre ofertas iguais de uma empresa socialmente responsável e uma empresa de tabaco, escolhe a primeira. E a segunda está perdendo o talento.
Como o mundo de investimentos vai mudar no futuro?
O campo vai ser muito maior. Na geração dos meus pais, era possível ser engenheiro, médico, arquiteto, abrir um bar ou uma loja. Na minha geração já tinha muito mais coisa, como empreendedor ou programador. E na nova geração, as pessoas são muito mais livres profissionalmente.
O investidor que antes podia investir na Petrobrás ou na Vale hoje vê gente que quer fazer um aplicativo ou abrir uma empresa que fabricará diferentes refrigerantes com água benta [risos]. Tem todo tipo de coisa e há muito mais opções de investimento.
Como há vinte anos eu ia saber que uma tal de Apple com um tal de iPhone ia surgir? Não sei o que vai vir, mas vão ser muitas coisas legais – e uma gama ampla de possibilidades.
Fonte: NAPRÁTICA.org | Por Rafael Carvalho