Foto: Chamath Palihapitiya é fundador do fundo de investimento Social Capital
Fundo de Chamath Palihapitiya, ex-vice-presidente da rede social, usará software e aprendizado de máquina, não intuição, para escolher empresas do País; aportes do Social Capital vão até US$ 250 mil
Quando trabalhou no Facebook, entre 2007 e 2011, Chamath Palihapitiya aprendeu a reconhecer padrões de comportamento. Após deixar a rede – e se tornar um de seus críticos, chegando até a dizer que se arrependeu por ter ajudado a construí-la –, ele decidiu usar a lição para investir em startups. Presidente do fundo Social Capital, sediado no Vale do Silício, ele lança nesta quarta-feira, 1, no Brasil um programa de investimentos em empresas iniciantes, com aportes entre US$ 50 mil e US$ 250 mil.
No lugar de apresentações ensaiadas (os chamados “pitches”), reuniões e intuição, porém, Palihapitiya confia nos números e em um software para decidir suas apostas. “Todos os negócios, há milhares de anos, têm padrões de sucesso. O que fazemos é reconhecer esses padrões”, diz, em entrevista exclusiva ao Estado.
Investidor de empresas como o software de comunicação Slack e a plataforma de computação em nuvem Box, além da brasileira Descomplica, Palihapitiya pede às empresas que enviem seus dados – receita, crescimento, engajamento – à sua plataforma. Com ajuda de aprendizado de máquina e um grande banco de dados, colhido por anos no Vale, ele insere as informações no software para verificar quais startups têm números bons e valem o investimento.
Entusiasmado pelo Brasil, onde vê grande potencial, Palihapitiya não se restringe aos dados. É fã, por exemplo, da trajetória de Jorge Paulo Lemann e Warren Buffett. “Não acho que o software é melhor que eles (investidores), mas pode fazer que sejamos melhores do que somos hoje ao investir”, diz.
Estado: Por que usar software para selecionar startups?
Chamath Palihapitiya: Quando trabalhei no Facebook, tivemos de desenvolver muitos recursos. Com isso, descobri que vários deles já haviam sido feitos antes – precisávamos apenas de algumas modificações. Havia padrões – que eram reconhecidos por aprendizado de máquina. Quando comecei a investir, tive uma ideia parecida. Todos os negócios, há milhares de anos, têm padrões de sucesso – receitas para ter bons produtos no mercado, consumidores leais ou preços corretos. Hoje, há milhões de startups no mundo. Temos acesso a dados de milhares delas, graças à nossa marca. Com nosso software, podemos dizer a cada empresa, a partir dos padrões, em que são boas ou em que precisam melhorar. Além disso, podemos mostrar às startups obstáculos e desafios comuns – e ajudá-las a superá-los mais rápido.
Por que o Brasil?
Acompanho o País desde 2008. Fui um dos primeiros investidores do Peixe Urbano. Nos últimos anos, a despeito da flutuação do câmbio e das mudanças políticas, o Brasil tem sido um consistente ecossistema de startups. Os empreendedores do Brasil são dinâmicos, eficientes com dinheiro e loucos por dados. Além disso, sabemos que no Brasil há carência do investimento semente, área em que queremos atuar. (Para se inscrever, é preciso preencher um formulário no site caas.socialcapital.com)
As empresas devem ser de alguma área específica para receber aportes?
Não. Quando começamos, tínhamos foco em saúde, educação, finanças, soluções para empresas e para consumidores. Com o tempo, aprendemos coisas novas – inteligência artificial, por exemplo. No Brasil, queremos falar com boas empresas, que tenham os padrões de companhias do Vale. Se houver uma, ok. Se houver cem, será fantástico! Elas podem aprender conosco nas áreas que somos especialistas. E se não conhecermos a área da startup, queremos aprender com ela, dando o suporte de que precisa.
Você investiu no Slack, startup hoje avaliada em mais de US$ 5 bilhões. O que ela tinha de especial?
O Slack é um bom exemplo de como os números nos ajudaram. Inicialmente, eles eram uma empresa de videogames. Tinham equipes em São Francisco e no Canadá, que usavam uma ferramenta muito boa de comunicação. Eles captaram recursos, foram avaliados em milhões, mas o jogo não dava certo. Stewart Butterfield, o fundador, decidiu tentar lançar a ferramenta como uma nova empresa. Quando os conhecemos, eles tinham só 40 mil usuários. Decidimos apostar. Por quê? Porque tinham métricas de engajamento que eram parecidas com as de Instagram e Facebook, um efeito de rede incrível. Mas, para ser honesto, passo menos tempo falando sobre os sucessos e mais sobre as empresas nas quais evitamos investir. Investimentos que dão errado nos drenam muito. Investir é difícil. Jorge Paulo Lemann ou Warren Buffett, eles têm um talento raríssimo. O software não é melhor que eles, mas pode fazer que sejamos melhores do que somos hoje como investidores.
Há arrependimentos?
Muitos! Tivemos a chance de investir na segunda rodada do Uber. Todo dia, quando pego um Uber, penso nisso (risos). Há muitos exemplos de empresas que passamos, mas não deveríamos. É o problema de usar o software: às vezes, os números não dão certo, porque é uma época específica. Mas arrepender-se é bom, para sermos melhores no futuro.
Você trabalhou no Facebook e já criticou a rede. Como vê a empresa, considerando a perda de US$ 120 bi na última semana?
Quero ser claro: o Facebook é uma empresa incrível. É preciso ter coragem para fazer o que eles fizeram, largando o lucro de um modelo de negócios incrível para corrigir problemas em prol da sociedade. É algo que merece crédito e um pouco de paciência. Mas não muda minha visão sobre a empresa. Hoje, nos acostumamos a receber e usar coisas de graça na internet. Quando as coisas são de graça, as empresas precisam ganhar dinheiro de algum jeito – normalmente, publicidade. Precisamos discutir, como sociedade, o que devemos esperar quando recebemos algo de graça e quando pagamos por algo. É algo que adotamos para comida, educação ou para o dentista. Precisamos discutir sobre a internet também.
Fonte: ESTADÃO