Em 2007, o patriarca Jouberto Uchoa de Mendonça, fundador do grupo educacional Tiradentes, teve de tomar uma das decisões mais importantes desde a fundação da tradicional rede sergipana de ensino, em 1962. Aos 70 anos, o educador estava sendo pressionado por um membro da família a recusar a proposta de seu filho, Jouberto Junior, de implantar um modelo profissionalizante no grupo, com base nos conceitos da governança corporativa. “Fui muito persistente em meus argumentos e ele aceitou. Hoje, meu pai diz abertamente que não consegue enxergar um modelo de gestão sem o modelo de governança”, diz Jouberto Junior, superintendente­geral do Grupo Tiradentes, que compreende mais de 40 mil alunos distribuídos entre a Universidade Tiradentes, o Centro Universitário Tiradentes e as faculdades Facipe e São Luis de França.

A decisão veio após Junior constatar que o grupo só teria padrões competitivos mais arrojados caso as funções dos familiares e dos executivos fossem mais definidas. Até então, o grupo contava apenas com a Universidade Tiradentes (em Aracaju), e o Centro Universitário (na época ainda uma faculdade, em Maceió), ambos com diretorias distintas.

“O primeiro passo foi a criação de um acordo de acionistas, onde estabelecemos regras para os familiares que atuavam e os que não atuavam no negócio. Em seguida, criamos o Conselho de Administração, com meus pais e dois conselheiros independentes. Definimos os papéis dos meus irmãos no grupo e da minha irmã, que não atua. Antes, havia indefinição de papéis e se misturavam assuntos pessoais e profissionais. Isso não ocorre mais”, diz Junior.

No caso das empresas familiares, as boas práticas de governança vão além da meta por melhores resultados. “Os desafios adicionais estão relacionados com sucessão, com eventuais saídas de sócios e com a escolha do futuro CEO”, diz Carlos Mendonça, líder na área de empresas familiares da PwC.

Segundo pesquisa global da consultoria, apenas 4% das empresas familiares chegam à 4ª geração. “No Brasil, temos casos clássicos de desavenças entre irmãos”, diz Mendonça, referindo­se aos irmãos Abílio e Alcides Diniz, do Grupo Pão de Açúcar, nos anos 90. Em modelo de governança, diz, há uma constante dinâmica nos processos e sistemas, que se adaptam conforme as gerações. “Mas há quatro princípios fundamentais que devem sempre ser seguidos: transparência, prestação de contas, equidade e responsabilidade corporativa. São princípios que dão segurança tanto aos familiares que trabalham na empresa como aos que tem outras atividades.”

No caso da empresa alimentícia Sanavita, o sinal de alerta para a chegada do processo de governança veio nos almoços dominicais da família Salgado, em Piracicaba (SP). “Eram encontros agradáveis, mas começaram a surgir conflitos por envolver assuntos familiares e profissionais”, recorda Thiago Salgado, hoje CEO da empresa, fundada em 1984 por sua mãe, Jocelem Salgado.

Em busca de novos conhecimentos, Thiago buscou novos conceitos no Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) e lá conheceu o executivo Josmar Bignotto, ex­presidente da Goodyear e o convidou para integrar o recém­criado Conselho Consultivo. Com base na experiência do novo conselheiro, a Sanavita remodelou sua estrutura organizacional, como novos departamentos e contratação de executivos de mercado, e montou um Conselho de Família, para abrigar a mãe e demais familiares. No novo modelo, um tio e uma tia deixaram seus cargos.

“Separamos quem é herdeiro, acionista e executivo”, diz. Hoje, a Sanavita prepara uma nova etapa de governança, na qual Thiago deixará o cargo de CEO e será substituído provisoriamente por um comitê de gestão, do qual fará parte sua irmã. “Vou me dedicar a assuntos estratégicos e criar o Conselho Administrativo”, diz.

Segundo Adriane de Almeida, superintendente de desenvolvimento do IBGC, o interesse no tema aumentou substancialmente nos últimos anos, principalmente de empresas de porte médio. “A procura é maior em empresas que estão na segunda ou terceira geração”, observa.

Embora a sucessão esteja sempre em primeiro plano, pode ocorrer que no decorrer do processo de profissionalização, a própria família não se sinta capaz de conduzir o processo de governança. Foi o que aconteceu com a Sorvetes Rochinha, de São Sebastião (SP), vendida em abril passado para H&M Participações. “A empresa era 100% familiar até 2013, quando entramos na sociedade com 30% das cotas e 100% da gestão. A gestão era muito informal, com agregados, e tomada de decisões emocionais, sem planejamento”, diz Lupércio Moraes, diretor da Rochinha. O primeiro passo foi criar um Conselho Consultivo, com cinco membros da família e os dois novos sócios. Após dois anos de reestruturação, diz Lupercio, a família optou por vender a sua participação aos sócios. “Era angustiante para eles lidar com balanços e números”, diz Moraes.

Fonte: Valor Econômico | Por Guilherme Meirelles