Na era das máquinas, o emprego é de quem? pergunta um trabalho recente da Universidade de Brasília (UnB) sobre o avanço da tecnologia no mercado de trabalho brasileiro. Inúmeras pesquisas no mundo tentam responder a essa questão, que na verdade está aí pelo menos desde a primeira revolução industrial, 200 anos atrás. A diferença agora é que a Inteligência Artificial (IA) pode criar máquinas com capacidades cognitivas até então exclusivas dos humanos.
Assim, a resposta é complexa, mas um resumo possível é que boa parte das ocupações conhecidas serão radicalmente transformadas, ou mesmo extintas, para dar lugar a dispositivos dotados de IA. Outras, contudo, serão criadas. E a capacidade de ocupá-las é o que fará a diferença entre emprego e desemprego no futuro.
O estudo que faz a pergunta acima, do Laboratório de Aprendizado de Máquina em Finanças e Organizações (Lamfo), da UnB, avaliou 2.062 ocupações e concluiu que 25 milhões de empregos (ou 54% do total) estão alocados em funções com probabilidade alta (de 60% a 80%) ou muito alta (80%) de automação. A base é a Relação Anual de Informações Sociais (Rais) de 2017, do Ministério da
Economia, analisada por 69 acadêmicos e especialistas em aprendizado de máquina. Estariam a perigo trabalho repetitivo, como cobradores de ônibus e operadores de telemarketing, mas também especializados como fonoaudiólogos e advogados.
Sobreviverá por mais tempo o que depender de empatia, cuidado, interpretação subjetiva, como assistentes sociais, babás e psicanalistas. E há ainda ocupações em que apenas uma parte é “robotizável”: 40% do trabalho de um contador, por exemplo. O trabalho replica uma conhecida metodologia que os cientistas Carl Frey e Michael Osborne, da Universidade de Oxford, usaram para estimar o potencial de automatização das ocupações nos EUA: 47%. As estimativas do Lamfo/UnB são preliminares, mas dão uma dimensão do que vem por aí.
Não significa que no Brasil 54% do mercado de trabalho vai desaparecer. Sob o aspecto econômico, em alguns segmentos pode não ser viável substituir gente por máquina. Mas, lenta ou rapidamente, o avanço da máquina continuará sua marcha, afirmam especialistas. Caixas de lojas resistem, mas terminais de atendimento são cada vez mais comuns no comércio.
“Até há pouco tempo, a automação eliminava atividades de baixa qualificação. O que há de novo é que robôs dotados de inteligência podem substituir ao menos parte das funções exercidas por advogados, engenheiros, médicos”, afirma Paulo Feldmann, professor da Faculdade de Economia e Administração (FEA) da USP, que há 30 anos escreveu o livro “Robôs: Ruim Com Eles, Pior Sem Eles”. Naquele momento, montadoras de automóveis começavam a instalar robôs em suas linhas de produção.
Um exemplo do que diz Feldmann: em Cingapura, o hospital Mount Elizabeth Novena adotou “enfermeiras-robôs” para monitorar os sistemas vitais dos pacientes em sua unidade de terapia intensiva. Outro: 13 tribunais de Justiça no Brasil, entre eles o Supremo Tribunal Federal (STF), instalaram IA para reduzir o volume de trabalho. No TJ do Rio Grande do Norte, o robô “Clara” lê documentos, sugere tarefas e até recomenda decisões.
A robotização ameaça eliminar empregos aqui e no mundo. Relatório da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) chamado “O Futuro do Trabalho” estima que 14% dos empregos do bloco têm alta probabilidade (70%) de automação. Outros 32% serão “radicalmente transformados”, têm de 50% a 70% de chances de serem robotizados.
“A evolução de hardware e software é muito rápida. Não importa o grau de evolução de um mercado ou de um país, muitos empregos tradicionais desaparecerão. Governos, empresas e indivíduos devem se preparar para isso”, afirma Herbert Kimura, pesquisador sênior do Lamfo/UnB.
No Brasil, o cenário é particularmente desafiador para o trabalhador, que além de enfrentar um economia estagnada depois da pior recessão da história do país ainda corre o risco de se ver obsoleto daqui a não muito tempo.
Irving Wladawsky-Berger, pesquisador associado do Massachusetts Institute of Technology (MIT) e especialista na IBM por 37 anos, comenta no blog MIT Digital que o saldo do emprego tem sido positivo ao longo das décadas, a despeito do avanço da tecnologia. Mas a revolução da IA está só começando. “É claro que ela terá grande impacto no emprego e na própria natureza do trabalho. Mas é muito menos claro qual será esse impacto. Haverá mais empregos? Ou desta vez será diferente? Opiniões são abundantes, mas, no final, nós realmente não sabemos”.
Fonte: Valor Econômico | Por Ana Conceição