“Não comece um negócio com pessoas com o mesmo perfil”
Federico Veja, da Cargo-X, é empreendedores que conta quais erros e acertos na criação de uma start-up.
Federico Veja, da Cargo-X, é empreendedores que conta quais erros e acertos na criação de uma start-up.
Em dezembro do ano passado, o artigo ‘No universo das startups, o Brasil não perde de 7 a 1. Perde de 90 a 0… para a China’ tinha sido escrito já pensando na mudança de placar. E ela veio com a confirmação de que a chinesa Didi comprou o controle acionário da 99, o aplicativo brasileiro de transporte de passageiros com mais de 300 mil taxistas e motoristas particulares cadastrados. Muitos celebraram o valor e o simbolismo que isto representa para o ecossistema brasileiro de empreendedorismo já que o País não tinha uma startup que valesse, de falto, algo sequer próximo a US$ 1 bilhão. Por isso, o marco histórico da 99 será lembrado, mesmo que o nome da empresa deixe de existir nos próximos anos.
# Paulo Veras foi eleito empreendedor do ano pelo ‘PME’ #
Porém, mais do que o valor em si, a trajetória de Paulo Veras, o empreendedor que liderou a 99 deve ser exaltada e mais conhecida pois poucos no Brasil conseguiram surfar tantas oportunidades (tomando uns caldos de vez em quando, é verdade) como ele. Quando conheci o Paulo no final da década de 1990, ele já era um empreendedor muito bem-sucedido surfando a primeira onda da internet. Formado em Engenharia Mecatrônica em 1994 pela Poli-USP, já tinha um comportamento muito comum nos jovens atualmente: queria empreender.
Por isso, assustou seus pais quando confirmou que largaria um ótimo emprego de engenheiro de automação na Asea Brown Boveri (ABB) para criar uma empresa de webdesign chamada Tesla em 1996. Nesta época Elon Musk ainda estava estudando e empreendendo sua primeira startup, a Zip2, um guia de informações de cidades. Enquanto isso, no Brasil, Veras ganhava muito dinheiro produzindo sites, portais, intranets e comércio eletrônico para negócios pioneiros como Mandic, Panrotas e Sé Supermercados. Curiosamente, foi a startup dele que fez a primeira página de internet de um certo João Dória que concorria às eleições em 1996.
Na Tesla, Veras empreendeu algo parecido com a Zip2, o GuiaSP, que se tornou um portal obrigatório para quem morava em São Paulo. Diante do sucesso, ele vendeu as duas empresas. Primeiro a Tesla para o JPMorgan Chase e o GuiaSP para o Starmedia, ambos em 2000. Com tempo e dinheiro, decidiu parar um pouco a rotina de empreendedor e fez um MBA na escola francesa de negócios INSEAD. De volta ao Brasil, foi trabalhar como consultor da Gradus, onde conheceu de perto as operações da AMBEV. Agora não só tinha conhecimento de empreendedorismo, tecnologia e inovação, mas também de estratégia, gestão e formação de pessoas. Tudo isso, atrelado ao fato de ser sempre muito discreto, o tornou o líder ideal para consolidar a Endeavor no Brasil em 2004. Mesmo substituindo Marília Rocca e Makoto Yokoo, a dupla pioneira que brilhantemente trouxe o conceito de empreendedorismo que conhecemos atualmente, foi Veras quem concretizou-o em todo o País, em especial, com o lançamento da Semana Global do Empreendedorismo e do livro ‘Como fazer uma empresa dar certo em um país incerto’.
Mas Veras é maestro em saber abrir e, principalmente, fechar ciclos. Sempre deixou muito claro isto. Tinha combinado permanecer apenas um período à frente da Endeavor e deixou a direção da entidade em 2008 para empreender novamente. Investiu seu próprio dinheiro para empreender em algumas ondas de oportunidades que se formavam naquele momento. A primeira foi a Pixit, uma produtora de vídeos curtos na internet. Criada em 2009, foi adquirida pelo grupo MZ em 2012. Mas os primeiros caldos vieram em seguida. Pensando nas tendências de guias locais como o Yelp e o Foursquare e compras coletivas como Groupon, Veras empreendeu o Guidu, um guia para as cidades de São Paulo e Rio de Janeiro e o Imperdível.com, um site de promoções rápidas. Ambos não deram certo. Mas no meio dos caldos, aparece a maior onda de todas. Em março de 2012, dois jovens também formados em Mecatrônica pela Poli-USP fizeram um convite para que Veras se juntasse ao time de empreendedores.
A dupla já tinha criado a Ebah, uma polêmica, mas muito popular startup que compartilhava conteúdo acadêmico e agora tinham lançado um aplicativo de chamada de táxi. Como eram da área de tecnologia, precisavam de alguém de negócio e principalmente, com competência para escalar o negócio. Depois de alguma hesitação diante do cenário competitivo da época (EasyTaxi, TaxiBeat, WayTaxi, além do Uber que ensaiava entrar no Brasil), Veras entrou de cabeça na onda dos aplicativos de táxi e o resto da história, cujo ciclo se finaliza agora, é conhecida. Esta é a breve trajetória do Veras. Mas o Paulo é um exemplo para todos os que o conhecem pessoalmente. Ele já foi comparado pelo Robert Wong, um dos principais mentores de grandes executivos do Brasil, ao Antônio Ermírio de Moraes, mas como eu só apertei a mão dele uma vez só na vida, só consigo falar do fundador da Tesla.
O Paulo é discreto, humilde e quase tímido. Não fala alto, não cria polêmicas e não se vangloria dos seus inúmeros feitos. Sabe formar grandes equipes. Tem ótima formação e valoriza isto nos times que forma. É metódico, trabalha muito, 10, 12 horas por dia e ainda consegue estar com a família, principalmente com suas filhas. De vez em quando, a saúde dá alguns sustos, por isso valoriza tanto a vida. É transparente e verdadeiro, por isso, muito querido e respeitado. Nestes aspectos, ele não é diferente de várias outras pessoas que se encaixam nesta descrição. Talvez só haja uma diferença: ele acredita no seu potencial! E em oportunidades que podem se transformar em grandes negócios, e quem sabe, algum dia, em unicórnios.
No livro ‘Alice Através do Espelho – E o Que Ela Encontrou Lá’, há uma passagem que ilustra a situação: “Você sabe, eu sempre achei que unicórnios fossem criaturas de contos de fadas? Eu nunca tinha visto um de verdade antes!” – disse Alice para o unicórnio. “Bem, agora que vimos um ao outro” – disse o unicórnio – “se você acreditar em mim, eu acreditarei em você. ” Mas os empreendedores atuais e futuros sabem que empreender no Brasil não é um conto de fadas. Por isso, vale ler o desabafo do Paulo Veras diante de tantas chifradas que recebeu até fechar este ciclo atual.
Fonte: Estadão PME
Eduardo Musa e Ariel Lambrecht, da Yellow, contam os erros e acertos na criação de start-ups.
Imagine-se percorrendo uma construção vazia. A disposição do local é intuitiva e cada cômodo naturalmente permite chegar a outro. Pode parecer estranho, mas você se sente seguro e até otimista. Senta-se em um banquinho que nem sequer havia notado até então, mas que parece instalado no lugar exato. E, mais uma vez, sente um impulso desconhecido, enquanto os ruídos de sua mente parecem ficar mais suaves. Essa é a sensação propiciada por um bom projeto.
Quando um modelo de serviço é concebido da forma correta, produz as mesmas sensações entre as pessoas que interagem com ele – energia, confiança, tranquilidade por se sentir respeitado como ser humano. Mas, como uma construção vazia, um modelo de serviço adequado ainda precisa do principal elemento que lhe dê vida em um nível funcional: as pessoas, ou, mais especificamente, a forma como as pessoas interagem nesse âmbito. Quando falamos de empresas, chamamos isso de cultura.
Uma prestadora de serviços de destaque precisa contar com esses dois elementos (o design dos serviços e a cultura que a rege). Ambos devem focar na mesma direção, rumo a resultados que você identificou como essenciais para o sucesso da empreitada. Vejamos de outra forma: se você trabalha em instalações maravilhosas mas seu chefe é um tirano, ou apenas indiferente às suas necessidades, o fato de o banquinho estar instalado no local perfeito nada significa. Toda aquela engenhosidade estrutural perde sentido em um ambiente no qual as diretrizes de relacionamento geram emoções opostas.
Para visualizar o que estamos falando, vamos abordar a nossa companhia aérea modelo: a Southwest Airlines. O segredo para o modelo de serviço da empresa é a rotatividade de embarque mais ágil do que a concorrência, o que permite aproveitar mais racionalmente a (cara) estrutura e cobrar menos para transportar as pessoas pelos ares. Abreviar o tempo de operação exige um nível altíssimo de colaboração entre os especialistas, as camadas hierárquicas e suas atribuições. Assim, a Southwest funciona com base na cooperação livre de egos. Ninguém é melhor do que ninguém, nem está isento de fazer o que deve ser feito. Todos são iguais – um ethos(grupo de características) que se estende aos passageiros, que até há pouco tempo não podiam trocar suas passagens por um lugar na classe executiva, se quisessem.
Entre as expressões mais visíveis dessa cultura igualitária está um fenômeno chamado “mobilização de atraso”. Se um voo dura além do horário previsto, todos sofrem as conse-
quências e, portanto, todos os funcionários se mobilizam para fazer o que precisa ser feito, sem precisar receber ordens.1É claro que essa medida faz sentido dentro do contexto das necessidades da companhia aérea, mas é em decisões menos transparentes que a consistência cultural da Southwest se destaca. A Southwest conta com mais funcionários sindicalizados do que as demais empresas, e, ainda assim, desfruta das melhores relações com os colaboradores. Por que isso não é contraditório? Porque os sindicatos adoram a empresa, que, ao contrário da concorrência, nunca promoveu uma demissão em massa. A Southwest não incha o quadro de funcionários nos tempos de bonança, prática comum no setor, e por isso não precisa fazer cortes drásticos quando as condições se complicam. Essa política foi criada para manter o bom relacionamento com os colaboradores, e é essa relação que permite à empresa incluir o compromisso com a mobilização de atraso no contrato de trabalho, além da frase “e tudo mais” em todas as descrições de tarefas. O funcionário se compromete a fazer o que for necessário, sem precisar alocar, por exemplo, um eletricista para trocar uma lâmpada queimada. Essa cadeia de trade-offsinterligados (limite nas contratações para preservar a estabilidade no emprego em troca da flexibilidade nas atribuições dos funcionários) sustenta a rapidez de rotatividade, um dos segredos do sucesso da Southwest.
A cultura talvez seja a mais importante parte invisível de uma organização. Assim como os fundamentos “subterrâneos” que sustentam uma empresa, é difícil avaliar o aspecto cultural. Mas uma forma de começar a fazer isso é observar a forma como ela se manifesta nos comportamentos e escolhas, subprodutos tangíveis da cultura. Em nenhum lugar essa observação é mais simples do que na IDEO, companhia dedicada ao design e à inovação.
A IDEO desenvolveu grandes ideias: do primeiro mouse da Apple até a imensa baleia eletrônica que protagonizou o filme Free Willy. A empresa ganhou ainda mais notoriedade quando o noticiário Nightline,da rede norte-americana ABC, encomendou um projeto inovador de um carrinho de mercado, a ser desenvolvido em apenas quatro dias. O resultado final incluía um leitor de código de barras, ganchos para pendurar sacolas e rodas mais adaptadas para circular em corredores estreitos, sem contar com o tradicional “cesto” central.
Sob o ponto de vista pedagógico, gostamos do exemplo da IDEO porque permite perceber e identificar o que a cultura da empresa tem de peculiar – e constatar porque ela exerce tanta importância.2A criatividade está no sangue da IDEO, e não há nada mais importante em seu modelo de negócios. Mas como a empresa cria um ambiente no qual a excelência criativa é um resultado sempre consistente? Certamente, a IDEO se baseia em um bom design de modelo de serviço – em específico, o sistema de gestão de funcionários. A empresa procura atributos bem claros na hora de recrutar e selecionar colaboradores: características que indicam a capacidade tanto de inovar como de inspirar a inovação nas demais pessoas. Mas o que permite que essa equipe apresente bons resultados dia após dia, ano após ano, é a cultura que a envolve. Ou seja, o design de serviço combinado com a cultura.
Os sinais dessa cultura podem parecer irritantes para a visão corporativa convencional. Na IDEO, não existem regras sobre como se vestir. Os funcionários montam suas estações de trabalho usando cubos plásticos. No meio das instalações situa-se uma instituição de respeito chamada “Tech Box”, espécie de “biblioteca de objetos” (pedaços de fibras de polímeros, dobradiças curiosas, interruptores, um arco e flecha com roldanas…) que os colaboradores vasculham em busca de inspiração.
Mas o que existe de tão diferente no cotidiano da IDEO? As discussões para chegar a novas propostas formam parte essencial do processo da empresa e ocupam boa parte do dia. O processo é criado para estimular o surgimento de ideias incomuns e suspender os julgamentos até a etapa final. Outro objetivo é o de permitir às pessoas aproveitar as sugestões dadas pelos colegas sem se preocupar com quem é o dono da ideia. Promove-se apenas uma discussão de cada vez, garante-se que os mais tímidos também participem e maximiza-se a quantidade de ideias (que podem chegar a 150 propostas em menos de uma hora), em vez de se ater demais à qualidade já no começo do processo. No final da discussão, as propostas recusadas são arquivadas – só para garantir.
O lema da empresa é “objetiva, rápida e certa” – mas “certa”, aqui, significa “adequada”. Não existe pressão para que as pessoas “estejam certas” ou encontrem soluções rápidas, pois isso acabaria inibindo a livre expressão das ideias. “Errar faz parte da cultura”, afirmou o fundador e presidente da empresa, David Kelley, à ResearchTechnology Management. “Chamamos isso de tentativa e erro ‘esclarecidos’”.3Existem muitas falhas, mesmo em processos avançados, mas Kelley insiste nesse princípio, tanto em projetos equivocados de origem quanto naqueles que se encaixam no rumo certo desde o início.
A experiência da criatividade coletiva ganha mais intensidade durante o chamado “Deep Dive”, quando a equipe passa um dia inteiro concentrada na geração de um grande número de conceitos criativos, eliminando as ideias fracas e elegendo as melhores propostas para a condição de protótipo. “Erre bastante para começar a acertar mais cedo” – tal filosofia, que pode parecer mera perda de tempo para quem está fora da empresa, constitui uma convicção da IDEO, assim como o trabalho duro. A motivação para dar conta de uma jornada de 60 horas semanais vem do entusiasmo (ou, se preferir, da pressão) dos colegas. Não há lugar para gente desmotivada se esconder nas pequenas instalações da empresa, desprovidas de divisórias.
Tudo acontece dentro de equipes e hierarquia temporárias, uma vez que os times são formados para dar andamento a projetos específicos. Existem poucos (se é que existe algum) cargos ou funções permanentes. Os profissionais acomodam seus pertences em estantes portáteis, para facilitar o deslocamento entre um núcleo de projeto e outro. A liderança muitas vezes se baseia no envolvimento pessoal ou nas habilidades específicas, e não na posição hierárquica. A avaliação dos funcionários é feita por colegas (o avaliado escolhe seus avaliadores), e contribuições muito significativas são recompensadas com oportunidades de trabalhar em projetos mais importantes.
Mais uma vez, apontamos esses fatores porque eles são os componentes visíveis da cultura da IDEO. Constituem as expressões externas das normas e valores que regem a empresa – correr riscos, mover-se depressa, dar importância ao aspecto lúdico –, um fenômeno que Edgar Schein, estudioso do MIT, descreve como os “artefatos” e “valores conjugados” de uma empresa (nós chamamos de “comportamentos”).4São todas as coisas que um observador externo pode considerar “diferentes” daquilo que vê fora da IDEO. Nada impede que outras empresas também possam abolir o uso de gravatas, empilhar um monte de peças soltas no meio da sala e afirmar que todas as ideias, inclusive as ruins, podem ser aproveitadas. Mas é claro que isso não serviria para muita coisa, a não ser, talvez, intrigar o visitantes.
O que faz com que isso funcione na IDEO (e também permite que a empresa tenha excelência em tudo o que cria), segundo Schein, são os chamados “pressupostos básicos comuns”, que conjugam essas escolhas aparentemente estranhas. Se você quer mudar a cultura precisa por começar aqui, influenciando os padrões de pensamento que regem as atitudes de seus colaboradores.
Há ótimos pesquisadores do comportamento corporativo à frente dos estudos mais recentes sobre cultura e psicologia humana. Não é o nosso caso. Recomendamos a leitura do livro Hidden value: getting extraordinary results with ordinary people, de Charles O’Reilly e Jeff Pfeffer,5além da pesquisa de Amy Edmondson sobre as empresas que criam segurança psicológica para os funcionários,6um dos estudos mais interessantes que já vimos nessa área, sem falar em uma série de outros que mereceriam entrar nessa lista.
Nosso ponto de partida é o aspecto operacional, e por isso adotamos uma abordagem bastante prática sobre tais temas. Queremos saber comouma cultura de excelência nos serviços pode ser construída e o que acontece de especial dentro das empresas que conseguem realizar esse valorizado objetivo. Um de nossos exemplos está na Ochsner Health System, de Baton Rouge. Quando perguntamos a Mitch Wasden, presidente da unidade, qual ele considerava o fator mais importante para as mudanças culturais ali ocorridas, ele falou da regra “5 por 10”. Todos os funcionários são estimulados a fazer saudações visuais a qualquer pessoa situada a menos de 3 metros (10 pés) e a cumprimentar verbalmente quem estiver a menos de 1,5 metros (5 pés). Essa mudança aparentemente pequena exerceu uma diferença incrível no ambiente apressado da clínica, onde todos os profissionais têm tarefas importantes a cumprir rapidamente. Hoje, faz parte da rotina parar e identificar os aspectos humanos das pessoas ao redor (pacientes, colegas, o entregador de encomendas da UPS) seguindo uma regra simples porém poderosa: cumprimentar as pessoas.
Esse tipo de ferramenta prática voltada para a comunicação e o reforço da cultura aparece em todas as empresas que apresentam valor excepcional aos clientes. Em termos mais específicos, encontramos três padrões diferentes nesse relacionamento entre empresas e cultura, e todos revelavam altos níveis dos seguintes elementos:
Fonte: Revista HSM Publishing
Foto: Alexandre Birman sucedeu ao pai, Anderson, depois de ter criado e conduzido grife bem-sucedida de calçados e acessórios
Há dois anos, quando assumiu o cargo de CEO no lugar da mãe, quem perguntasse pelo nome de Frederico Trajano à maioria dos 20 mil funcionários da rede varejista Magazine Luiza provavelmente receberia a seguinte resposta: “Ele é o filho de dona Luiza Trajano”. Hoje em dia, depois de fazer as ações da empresa se valorizarem mais de 3.200% na bolsa, Frederico conquistou outros adjetivos – e com mérito próprio.
Nos corredores da empresa e nas quase 900 lojas da rede espalhadas pelo país, Frederico, de 41 anos, é reconhecido por conduzir a rede no período mais agudo da recessão e por incluir a companhia sexagenária no fervilhante mundo do comércio eletrônico. “Em um ambiente de revolução digital, em que empresas relevantes se tornaram irrelevantes da noite para o dia, o segredo é não ter medo de abraçar a inovação”, afirma Frederico, que vinha sendo preparado para assumir o cargo há 15 anos.
“Meu filho não se tornou CEO da companhia por ser meu filho, mas por ter se tornado um profissional da mais alta qualidade”, acrescenta Luiza Trajano, hoje presidente do Conselho de Administração. Trata-se de uma responsabilidade de peso. No ano passado, o faturamento da empresa alcançou R$ 11,9 bilhões, aumento de 26% na comparação com 2016. Vale lembrar, que no mesmo período, o Produto Interno Bruto (PIB, o conjunto da produção de bens e serviços do país) cresceu apenas 1%.
Luiza Trajano não teve pressa para realizar a sucessão. O processo começou a ser planejado oito anos antes de Frederico assumir. Para o período de transição, Luiza contratou o executivo Marcelo Silva, que tinha larga experiência em casos parecidos, para sucedê-la na presidência. Silva criou processos internos e reestruturou a diretoria. Enquanto isso, Frederico ia ganhando legitimidade e passou a ser reconhecido na empresa como um executivo de talento e não apenas como o filho de Luiza Trajano.
O exemplo bem-sucedido de sucessão familiar no Magazine Luiza se assemelha ao processo de troca de comando na construtora mineira MRV Engenharia, a maior empresa do setor na América Latina, com vendas de R$ 6 bilhões no ano passado. O fundador Rubens Menin passou de CEO a chairman e deixou em seu lugar o filho Rafael Menin, hoje copresidente da companhia, ao lado do executivo Eduardo Fischer.
Rafael dirige os negócios nas regiões Nordeste e Centro-Oeste, além de Minas Gerais, Espírito Santo e Rio de Janeiro. A Fundação Dom Cabral foi recrutada para desenhar o melhor modelo de sucessão possível, levando em conta as particularidades da empresa. “É evidente que em um processo de sucessão familiar sempre passamos por provações no começo”, admite Rafael Menin.
“Mas a preparação antecipada, bem planejada e transparente tira qualquer risco de ruptura.”
O executivo começou a trabalhar na MRV aos 18 anos, como estagiário. Antes de chegar à presidência, passou também pelos cargos de engenheiro de projetos, gestor e diretor-regional. “A minha trilha foi longa e me preparou muito bem para assumir o cargo”, assinala. Prova disso, segundo ele, é que o valor de mercado da MRV não sofreu nenhuma alteração após o anúncio de seu nome.
É evidente que o caminho para uma sucessão familiar pode ter obstáculos. Estudo da consultoria Strategos Empresarial, baseado nas histórias de mais de 200 companhias brasileiras e multinacionais – das quais 130 têm gestão familiar –, chegou à conclusão de que 70% das empresas não sobrevivem à passagem de bastão para a segunda geração, e apenas 10% passam para a terceira. Só 3% para a quarta.
“O problema é que os conflitos mais graves surgem de divergências que poderiam ter sido evitadas se houvesse uma gestão mais racional, menos emocional”, diz Telmo Schoeler, sócio da Strategos. A razão para o alto índice de mortalidade é de simples compreensão: 73% das companhias não investem em ferramentas de gestão e não definem planos de sucessão. “Historicamente, os patriarcas erram ao acreditar que, para preparar seu sucessor, basta pagar uma boa faculdade aos filhos.”
Por saber que formação acadêmica é importante, mas não é tudo, o bilionário Carlos Wizard Martins – controlador do Grupo Sforza, holding detentora de empresas como Pizza Hut, Taco Bell, Mundo Verde, entre outros – colocou seus filhos gêmeos Lincoln e Charles no dia a dia da companhia, logo que ambos retornaram de seus estudos nas universidades americanas de Brigham Young, em Utah, e na conceituada Harvard. “Ter a melhor formação é tão essencial quanto a melhor experiência na prática”, afirma Carlos Wizard. “Nosso pai nos dá autonomia total para tomar decisões, inclusive para errar”, afirma Charles.
Especializada em calçados, acessórios e moda, a Arezzo&Co também realizou transição bem-sucedida. Aexandre Birman, filho do fundador Anderson Birman, assumiu a presidência em março de 2013, depois de o pai ter ocupado o posto por quatro décadas. Antes da passagem de bastão, pai e filho tomavam as decisões em conjunto, parceria que acabou sendo produtiva para os dois – e, claro, para a empresa.
“Nossas ideias e ações são complementares”, diz Alexandre. Em 2009, antes de assumir a presidência, o herdeiro criou a grife de luxo Alexandre Birman, uma das bandeiras de maior sucesso do grupo e que tem os seus produtos em lojas de Londres a Hong Kong. Com o sucesso da grife, Alexandre demonstrou que estava preparado para levar os negócios da família adiante.
Outra tradicional empresa brasileira do setor calçadista a realizar sua sucessão com planejamento e cautela foi a Vulcabras Azaleia, dona de um faturamento de R$ 1,2 bilhão no ano passado. Pedro Bartelle recebeu a missão do pai e fundador, Pedro Grendene Bartelle, de adaptar a companhia às transformações do mercado.
Resultado: sob a gestão do filho, seu principal produto, a Olympikus, se tornou a marca de tênis mais vendida do país, à frente de Nike e Adidas, segundo o instituto Kantar Worldpanel. “A principal mudança foi no foco do negócio”, diz Bartelle. “Antes, tínhamos uma cultura totalmente industrial, produzindo para abastecer o mercado. Com a modernização, passamos a ser gestores de marcas próprias, utilizando a indústria como diferencial competitivo.”
Assim como ocorreu com o Magazine Luiza, o processo de sucessão se deu em paralelo a uma intensa reestruturação. A consultoria Galeazzi cuidava dos ajustes internos, enquanto Pedro Bartelle se preparava para assumir a direção. “Minha ascensão acabou ocorrendo de forma natural, em função da experiência que já possuía em várias frentes do negócio e pelo envolvimento na reestruturação”, afirma o executivo.
O turnaround teve duas etapas: a primeira, a reestruturação, de 2012 à metade de 2015. A segunda etapa foi a modernização da empresa, que a levou a ser o que é hoje. “A cultura que meu pai (Pedro Grendene) imprimiu à companhia a base que nos permitiu partir para a transformação”, diz Bartelle.
A ideia de profissionalizar a gestão, sem ter que abrir mão das novas gerações da família, é uma fórmula que tem sido cada vez mais adotada pelas grandes empresas. “Profissionalização não significa afastar os familiares, mas implica em desenvolver as habilidades e tornar a família um time profissionalizado”, diz Wagner Teixeira, sócio da consultoria Höft Bernhoeft & Teixeira. “Para uma boa sucessão, é fundamental conhecer o negócio, dominar os processos, trabalhar com um time forte e afinado nos objetivos, que busque o crescimento sustentável da companhia, e ter muito firmes os valores da organização”, finaliza Bartelle.
O que dizem os consultores dedicados à sucessão familiar
Fonte: Fundação Dom Cabral/Höft Bernhoeft & Teixeira e empresários