Talvez esse seja um dos maiores desafios enfrentados pelas empresas familiares e das famílias empresárias. Nas empresas familiares, o papel do dono, fundador ou membro da família que ocupa o mais alto cargo, está carregado dos mesmos desafios que o papel de um presidente de empresa não familiar, porém possui ao menos um componente adicional que é a responsabilidade de moldar, por meio de suas atitudes, decisões e comportamentos, os valores e a cultura da empresa.

Nas empresas não familiares, ferramentas de gestão direcionam comportamentos e atitudes, e a cultura já está mais arraigada em suas próprias entranhas, enquanto nas empresas familiares os elementos que formam a cultura se apoiam fortemente na figura do dono/fundador. Assim, a troca de comando em empresas familiares também traz à discussão a transformação cultural – as vezes desejada, as vezes não – inerente a essa mudança.

Sem querer entrar nos diversos aspectos que regem esse processo sucessório, destaco apenas um que me parece muito interessante por ser frequente e ao mesmo tempo pouco enfatizado. A sucessão está pronta para ocorrer não quando o sucessor está preparado para entrar, mas quando o sucedido está pronto para sair. Tenho visto inúmeros casos de boicote e, portanto, fracasso total ou iminente ao “novo processo de governança” que define que o fundador deve sair da gestão e passar a integrar o conselho, e acaba por querer expulsá-lo do dia-a-dia da empresa que ele criou, ou se não criou, comandou por bastante tempo.

Acontece que enquanto está na gestão o fundador tem todo o seu tempo ocupado, sua agenda está cheia de compromissos, reuniões com diretores e com colaboradores de todos os escalões (“homens de confiança” espalhados pela empresa), visitas aos clientes antigos, presença em eventos e feiras e associações, e inúmeras outras agendas, que por mais que representem um fardo, proporcionam o sentimento de utilidade, inteligência, desafio e poder.

Fora do dia-a-dia o fundador tem uma agenda livre como nunca teve. Reuniões mensais de conselho não preenchem sua agenda, não estimulam sua inteligência e nem exploram sua experiência . Via de regra ele não sabe o que fazer com “esse tempo todo livre”. O desejo juvenil de “viajar e conhecer o mundo” já passou e não é para todos, iniciar outro negócio parece trabalhoso demais para a idade avançada e no “mundo atual”, “curtir os netos” parece bom por uma tarde ou uma semana nas férias de julho, “pescar com os amigos” é uma boa ideia para preencher 2 ou 3 semanas no ano. O que fazer com o resto do tempo disponível? A reação tem sido “a empresa é minha, ninguém pode me obrigar a me afastar dela, além disso a empresa precisa de mim e eu vou somente alguns dias por semana ver como as coisas estão”. É nesse ponto que a nova governança desmorona. O fundador continua “dando expediente” na empresa. Assim, ele salta os níveis hierárquicos e protocolos de comunicação e vai direto ao ponto (aliás, como ele sempre fez); acessa seus homens de confiança; revê decisões dos diretores e do novo presidente (ainda que seja seu próprio filho); colhe informações internas que nem chegam aos ouvidos da nova liderança; visita clientes e fornecedores e antecipa condições de mercado; enfim continua agindo como CEO da empresa.

A perdurar por muito tempo o resultado será um grupo de executivos que não consegue tomar as rédeas da empresa, refém do fundador e sua rede interna de sustentação. A empresa então sofre com uma liderança difusa e confusa, entra em estado de letargia, aguardando que os “capi” se entendam, as vantagens competitivas não se renovam, os clientes se vão, os melhores gestores também, o mercado é implacável. Alguns caminhos se desdobram nesse ponto. A família chama para si a crise e impõe meios legais de afastar o fundador; ou a “nova governança” é descartada de vez por um “consenso” de que o fundador deve voltar; ou uma nova “nova governança” é imposta por novos acionistas que aportam o capital necessário para a recuperação da empresa. Enfim, os caminhos a partir daí dificilmente serão bons para todos os envolvidos.

Para não ter que escolher o mal menor, o processo de sucessão precisa primeiro se preocupar com o sucedido e depois com os sucessores. Encontrar atividades que o motivem, papéis importantes que o mantenham ocupado e desafiado, expô-lo a novas responsabilidades como conselheiro em outras empresas, ou voluntário em uma ONG relevante localmente, e assim conservá-lo próximo o suficiente da empresa para que sua experiência, conhecimento e networking sejam bem aproveitados, mas longe o necessário para não confundir a empresa e dificultar sua evolução.

Autor: Antônio Sorbara Jr.